Nos últimos anos temos ouvido muito sobre Privacidade de dados, seja com os movimentos da Lei Europeia GDPR, por aqui a LGPD, com a criação da ANPD, ou mais recentemente com a Lei Californiana, CCPA que coloca as Big Techs na mira e com o objetivo de garantir a privacidade dos dados dos indivíduos.
Mas mesmo sendo leis que tratam dos mesmos assuntos, proteção de dados e privacidade, não são regras que funcionam da mesma forma.
E qual a relação entre privacidade de dados e publicidade?
Tivemos muitos casos de vazamento de dados e escândalos, Cambridge Analytica, por exemplo. Após uma série de reportagens em que NY Times, The Observer e The Guardian, trabalharam em conjunto, o mercado entendeu como o uso de dados foi feito, e que qualquer pessoa que lidasse com publicidade e quisesse uma campanha um pouco mais elaborada, tinha como se apropriar dos dados dos usuários para ações complementares, bastava usarem uma ação de engajamento como uma pesquisa, um jogo, ou teste, e com a amplificação dessa base, com a inclusão dos amigos, das redes de cada um dos usuário pesquisados e perfis semelhantes, no Caso da Cambridge o teste foi feito com 270 mil usuários e gerou uma base de mais de 50 milhões de indivíduos.
Com esses dados e perfis organizados e com uma campanha personalizada, a estratégia de comunicação da campanha presidencial de Trump atrapalhou a de Hillary Clinton. Esses dados foram a ferramenta poderosa que permitiu identificar as pessoas que estavam em dúvida e levaram mensagens para as convencer do contrário.
Daquele momento até hoje, o Facebook tem feito constantes ajustes, e esses ajustes só evidenciam cada mais vez mais o volume de dados que eles coletam dos usuários, com suas diferentes ferramentas, Facebook, Instagram ou Whatsapp. É mais do que evidente que o maior negócio do grupo Facebook é a coleta de dados dos usuários para venderem cada vez mais publicidade.
No ambiente digital esse é o modelo de negócios, não só nas redes sociais (grupo Facebook e Linkedin por exemplo ), o Google tem os dados de navegação na Internet e celular, a Amazon coletando os dados de compra dos usuários e a Apple com os dados de uso e acesso através celulares, apps e equipamentos em geral, relógio, tv, Ipads e computadores.
O uso dessas informações é crucial para publicidade. E como a própria Cambridge Analytica promovia é preciso “Fornecer a informação certa à pessoa certa, no momento certo é mais importante do que nunca”. E é assim que o marketing digital funciona.
Mas como isso funciona com as novas leis de privacidade?
Muita coisa tem sido feita, iniciativas como a Iniciativa global – Partnership for Responsible Addressable Media, que tem entre seus participantes as associações do mercado publicitário, Anunciantes, agências, veículos de comunicação e as empresas de tecnologia.
Os princípios dessa associação, definidos por documento com os seguintes propósitos:
- Pilar fundamental a privacidade dos consumidores;
- Acesso a conteúdos diversos, com suporte o suporte de publicidade em troca de conteúdo ou serviços;
- As operações de publicidades com o direcionamento, entrega dos anúncios, frequência, administração de campanha, dados (analytics), entrega em diferentes meios, otimização e atribuição, devem ser mais suportados, melhorados, com o suo de melhores recursos tecnológicos, padrões, políticas de uso e casos.
- As soluções devem ser padronizadas e funcionem de maneira interoperacional, para os consumidores, as empresas,
- Todos os browsers, equipamentos e plataformas devem proporcional acesso sem restrição ou interferência.
- As empresas que usarem soluções devem usar os padrões legais e de de privacidade com força de monitoramento e penalidade para os que violarem esses padrões.
Além dessas iniciativas, um novo mundo digital, sem cookies nos browsers, sem a possibilidade de coletar dados sem permissão e com a ajuda dos navegadores já está funcionando.
E como as empresas de comunicação estão lidando com isso?
Facebook, nos últimos anos mudou muito sua politica de como compartilhar os dados. Só por curiosidade, você sabe o que o Facebook coleta de informação sua, quando você está conectado? Veja aqui: https://www.facebook.com/policy.php O volume de dados coletados não foi reduzido, a forma como é usado que mudou, as plataformas (Facebook, Instagram e Whatsapp) integradas, geram mais dados ainda, o preço subiu, mas privacidade mesmo, pouco mudou.
Google tem acesso a muitas outras fontes de informações, email, comportamento de navegação, muitas formas de coletas (mobile, desktop, geo) e com o cruzamento desses dados, eles criaram o conceito dos Micromomentos, de novo só para matar a curiosidade: https://policies.google.com/privacy?hl=pt-BR
Amazon, Netflix e Spotify trabalham com os dados sobre o comportamento de uso, manuseiam eles para sugerir e induzir mais consumo.
A Apple enfrenta o mesmo dilema das demais big techs, ela tem acesso a diversos dados e principalmente a combinação deles, tem acesso aos diversos apps, devices e diferente de Google e Facebook, Amazon e Spotify, ela tem um pouco de todos, e tem os dados de todos eles também.Vejam sua politica de privacidade também https://www.apple.com/br/legal/privacy/br/
Olhando para todos esses players, e vendo como trabalham, podemos entender algumas das disputas entre eles.
Em 2020, uma pequena grande guerra começou entre o Facebook e a Apple
Já tivemos diversas batalhas dessa guerra, a primeira foi em agosto passado, com o Facebook atacando a loja de aplicativos da Apple por causa de um aplicativo de jogos (Fortnite), por conta da politica de cobrança e liberação dos aplicativos. Essa briga ganhou alguns aliados como os estados de Dakota do Norte e Arizona, nos Estados Unidos, com a exigência de que os apps possam ser comercializados de outra forma, não somente pela plataforma da Apple store ou mesmo a Google store.
Em setembro, a Apple lançou o novo Sistema operacional – o iOS 14 e, com ele, o SKAdNetwork, nova forma dos anunciantes de aplicativos atribuírem instalações no iOS e em 26 de março a versão de maior controle de acesso aos dados privados do usuário.
Isso mudou e esta impactando os anunciantes de aplicativos para dispositivos móveis diretamente.
O novo sistema IOS 14.5, não fornecerá mais informações importantes como ID do usuário que baixou o aplicativo, qual o dispositivo usado e qual anúncio/ação gerou a conversão. As informações que estarão disponíveis não tem nenhum cunho pessoal, nada que consiga identificar o usuário. O objetivo ou a justificativa da Apple é de proteger os dados dos usuários.
Outra empresa aliada nessa briga contra a Apple é a Intel, que na última atualização de hardware de seus notebooks, a Intel deixou de ser a fornecedora dos processadores e Apple está usando um chip próprio, o M1.
E o Facebook apelou e fez uma campanha nos principais jornais americanos, dizendo que a Apple prejudica os pequenos negócios que dependem da publicidade feita na rede social. Ainda nesse mesmo round o WhatsApp também criticou a maçã.
Em dezembro a luta foi ampliada, com a liberação e planos do sistema operacional iOS 14, no qual a Apple passou a avisar que vai mostrar como os dados dos usuários estão sendo usados pelos aplicativos.
Outro ataque público veio no inicio de Fevereiro, com a fala do CEO Tim Cook, durante a conferência online Computers, Privacy and Data Protection.
Para o executivo, “já passou da hora de parar de fingir que essa abordagem não tem um custo, de polarização, de perda de confiança e, sim, de violência”. Tim Cook mencionou também a recente invasão ao Capitólio dos EUA, e o papel das redes sociais para esse fato, de forma velada.
Sob a ótica da privacidade, Facebook tem atraído uma legião de opositores ao seu modelo, recentemente li um artigo de Carissa Véliz uma professora de Oxford que disse: ‘WhatsApp é invasivo e Facebook, um abutre de dados’, Autora do livro “Privacy is Power” (“A privacidade é um poder”). Em Entrevista a BBC, ela discorre de como os dados estão sendo usados hoje e como podem ser usados no futuro e como isso pode prejudicar os consumidores por essa exposição de dados e interpretações que podem não representar a realidade e a fatos.
Agora é a primeira vez que o Facebook se prepara e avisa o mercado, começando com os anunciantes, explicando por email e propondo diversas iniciativas, treinamentos, modelos diferentes de segmentação para as campanhas, tudo já antecipando os impactos das mudanças com o novo IOS 14 da Apple, previsto para ser lançado até o final de abril de 2021.
Essa guerra tem diversos pontos onde os interesses são conflitantes, de um lado o Facebook está cogitando criar uma nova moeda, a Apple um banco.
De um lado o acesso aos dados, de outro a transparência para os usuários nos devices, ou um chaveiro com localizador, anunciado em abril como novo produto Apple, de outro o interesse nos modelos de publicidade. Mas o interesse no usuário e nas necessidades desse usuário, não parecem ser temas de preocupação de nenhuma das duas empresas. Google e Amazon estão fora dos holofotes nesse momento, mas não menos envolvidos.
Mesmo representando uma base menor de usuários, no mercado norte americano por exemplo, os usuários de Iphone gastam 5x mais que os usuários de equipamentos do mesmo nível de outras marcas. Aqui no Brasil eles não passam de 8% da base, mas são considerados, inclusive pelo Facebook, como indicadores de poder de consumo. Esses usuários usam seus celulares quase que exclusivamente para acesso as redes sociais e aplicativos, mais de 80% do acesso diário de aplicativos.
Será uma prova de fogo, deixar de ter acesso nos aplicativos, ou ver redução de publicidade. Durante um período o algoritmo precisará reaprender quem é o usuário daquele aparelho, sem poder identificá-lo.
O Mercado publicitário, os meios de comunicação nos últimos 20 anos foram radicalmente impactados pelos meios digitais e todas as métricas e acessos que proporcionaram. A publicidade digital não é oferecida, como os outros meios, por sua adequação editorial, por meio, por conteúdo, mas sim por qual usuário é mais adequado, mais relevante para ser exposto a esse anúncio, bem diferente das outras formas de publicidade.
Todo esse ambiente também será alterado pelo uso cada vez maior da tecnologia, que terá na base os dados (disponíveis First party data, anonimizados) de comportamento e o cruzamento entre eles, através da inteligência artificial, e o resultado desse processamento todo, deve ser a melhor indicação dos melhores conteúdos (publicitários ou jornalísticos) para os usuários, prevendo e antecipando necessidades em milionésimos de segundo.
Toda essa velocidade e processamento é para levar o anúncio certo, para a pessoa certa, no momento certo, mas diferente de como foi feito pela Cambridge, e podemos seguir as novas regras, usar mais a tecnologia, pensar e planejar em como garantir o consentimento dos usuários e oferecer uma experiência de consumo que seja mais relevante.
Texto: Eduardo Paschoa